Desde
2007, a ATP (associação de tenistas profissionais) oferece a mesma premiação
para homens e mulheres nos principais torneios de simples do planeta. Esse fato
causa alguma controvérsia, como pode ser visto nesse link,
pois questiona-se se é justo que homens e mulheres recebam o mesmo valor para
vencer esses torneios. O principal argumento utilizado é que o torneio masculino
arrecada mais dinheiro (público/audiência/patrocinadores), e sendo assim os
homens deveriam receber mais dinheiro pela conquista.
Uma
outra diferença importante é que os jogos dos principais torneios são
disputados no sistema melhor de 3 sets para as mulheres, e melhor de 5 sets
para os homens. Ou seja, no geral os homens têm que jogar mais sets para ganhar
o campeonato do que as mulheres. Apenas para exemplificar, no torneio de
Wimbledon de 2016, o Andy Murray ganhou o torneio masculino disputando 23 sets,
enquanto a Serena Williams ganhou o feminino disputando 15 sets.
Nesse
post vou ignorar todas as questões comerciais, e apenas pensar sobre o esforço
que cada atleta têm que fazer para ganhar o torneio. Nesse contexto, a
premiação justa deveria levar em conta o esforço médio realizado por um homem e
por uma mulher para vencer o torneio. Se os níveis de esforço forem similares,
a premiação também deve ser. Se forem muito diferentes, essa diferença deveria
ser levada em conta na distribuição dos prêmios.
Se
o esforço da mulher para disputar 3 sets for equivalente ao esforço do homem
para disputar 5 sets, então as premiações devem ser iguais. A dificuldade então
reside em como avaliar, de forma justa, o nível de esforço dos atletas. Claramente
não existe uma forma definitiva de avaliar isso, devido a tremenda complexidade
das diferenças entre homens e mulheres. Sem falar das nuances de cada esporte e
das diferentes estratégias de jogo de cada jogador. Mesmo sabendo dessas limitações na análise,
qual seria uma forma razoável de avaliar o nível de esforço?
Na
grande maioria dos esportes homens e mulheres disputam torneios separadamente. Isso
ocorre porque a velocidade, a força, o reflexo de homens e mulheres são diferentes.
Seus corpos são muito diferentes. Separando as competições de acordo com o sexo
faz com as disputas sejam mais justas e equilibradas para todos os atletas. Como
exemplo, no atletismo é fácil avaliar a diferença de performance entre os
sexos, como mostramos na tabela 1 abaixo, que compara os tempos dos recordes
mundiais para as principais distâncias de corrida.
Distância
|
Homem
|
Mulher
|
Diferença
%
|
100 m
|
0'9''58
|
0'10''49
|
9.5%
|
200 m
|
0'19''19
|
0'21''34
|
11.2%
|
400 m
|
0'43''03
|
0'47''6
|
9.4%
|
800 m
|
1'40''9
|
1'53''3
|
12.9%
|
1 km
|
2'12''0
|
2'29''0
|
12.9%
|
1,5 km
|
3'26''0
|
3'50''1
|
11.7%
|
2 km
|
4'44''8
|
5'25''4
|
14.4%
|
3 km
|
7'20''7
|
8'06''1
|
10.4%
|
5 km
|
12'37''4
|
14'11''2
|
12.4%
|
10 km
|
26'17''5
|
29'17''4
|
11.4%
|
20 km
|
55'21''0
|
60'01''54
|
8.4%
|
Meia Maratona (21 km)
|
58'23''0
|
60'05''09
|
2.9%
|
Maratona (42 km)
|
120'02''57
|
120'17''42
|
0.2%
|
100 km
|
360'13''33
|
360'33''11
|
0.1%
|
Dessa
tabela percebemos que o desempenho relativo entre os sexos se aproxima, quanto
maior for a distância. Na corrida de 100m, por exemplo, o tempo das mulheres é
9.5% mais lento que o dos homens. Já no caso da maratona, a diferença é de
apenas 0.2%. Ou seja, dependendo da distância percorrida, a diferença relativa
entre os tempos é diferente.
Se
fizermos a suposição (bastante forte) de que os níveis de esforço dos atletas
são proporcionais aos tempos dos recordes mundiais de atletismo, podemos
utilizar essas diferenças para avaliar o esforço relativo dos atletas numa
partida de tênis. Num jogo de tênis masculino, os jogadores usualmente correm
entre 4 e 10 km, como pode ser visto nesse link.
Nessa faixa, destacada em amarelo na tabela acima, vemos que o desempenho das
mulheres é, em média, 12% inferior ao dos homens. Utilizando esse valor como
referência, podemos dizer que uma partida de tênis feminina deveria ter 88% da
duração da partida de tênis masculina para que o nível de esforço fosse
similar.
Como
as mulheres disputam no máximo 3 sets e os homens 5 sets, podemos supor que em
média as mulheres disputam apenas 60% dos sets que os homens disputam. Claro
que esse percentual pode oscilar bastante, dependendo de competitividade nos
torneios entre outros, porém aqui quero simplificar a análise ao máximo (alguém
com interesse pode refazer essa análise utilizando o número médio de sets que
homes e mulheres jogam). Pelo nosso critério acima, o justo seria que a mulher
jogasse 88% dos sets que os homens jogam. Assim temos que o esforço relativo da
mulher está 28% abaixo do esforço do homem. Por esse critério, a premiação feminina
deveria também ser 28% inferior.
Se
os torneios femininos passassem a ser jogados no sistema melhor de 5 sets como
no caso dos homens, qual deveria ser a premiação de cada sexo? Nesse caso,
temos que as mulheres estão jogando 100% dos sets masculinos, porém o justo
seria jogarem apenas 88%. Ou seja, nesse cenário elas se esforçam 12% a mais do
que os homens, então também deveriam receber uma premiação 12% maior. Ambos
esses cenários foram resumidos na tabela abaixo.
|
Cenário 1
|
Cenário 2
|
Sets Disputados Mulheres
|
3
|
5
|
Sets Disputados Homens
|
5
|
5
|
Esforço realizado (# sets
Mulheres/Homens)
|
60%
|
100%
|
Esforço "ideal"
|
88%
|
88%
|
Diferença
|
-28%
|
12%
|
Escrevi
esse post porque tive uma conversa com uma amiga minha sobre essa questão do
tênis, e ficamos pensando como poderíamos medir esse esforço. Depois da
conversa fiquei pensando sobre isso e tive a ideia de utilizar os tempos dos
recordes mundiais. Minha análise aqui é bem “simplista”, mas mostra como é
possível utilizar uma variável “proxy” para medir algum fator difícil de ser
mensurado/observado.
Claro
que tanto a variável quanto o critério de comparação utilizado podem ser
melhorados, porém nesse post vemos como mesmo com uma análise simples e subjetiva
é possível obter insights sobre o tema sendo estudado. E o melhor é que essa análise
pode ser continuamente refinada, melhorando tanto o nosso entendimento do
assunto quanto as estimativas obtidas. Até por isso eu não utilizaria esses resultados para pedir a ATP que redefina as premiação. Porém essa análise mostra que pode existir alguma verdade por trás da polêmica, e que talvez esse tema devesse ser estudo com seriedade pela ATP.